Um homem compra um motel e faz buracos no teto dos quartos para observar o que se passa lá dentro. Agora quer publicidade por achar que seus relatos contribuem para o entendimento das modificações dos padrões sexuais na América.
Alabama, ele foi por muitos anos colunista do Jornal New York Times e da revista Squire. E assim como Tom Wolf e Truman Capote, Talese foi um dos precursores do chamado Novo Jornalismo, movimento que incorpora ao jornalismo características de literatura, tais como a descrição mais detalhada das cenas e a busca de uma apreensão menos esquemática do caráter dos personagens. Temos aqui no Brasil a revista Piauí, que entre outras, faz esse tipo de jornalismo literário, onde aproxima o leitor aos fatos com uma linguagem menos técnica.
Talese sempre mostrou grande interesse na sexualidade
humana. E com o intuito de escrever um livro que narrasse as modificações dos
padrões sexuais estadunidenses das décadas de 60 e 70, frequentou e depois foi
proprietário de uma casa de Swing, cujo "trabalho
de campo" gerou a obra “A mulher do
Próximo”, em que disseca a trama cerrada das relações entre sexo, pornografia,
religião e censura em seu país.
Com a estrondosa repercussão desse livro, no começo dos anos
80, o escritor recebeu uma carta anônima de um homem de Colorado, com o seguinte
conteúdo: ““Desde que soube de seu tão
esperado estudo sobre sexo de costa a costa na América, acho que tenho
informações importantes com as quais poderia contribuir para o conteúdo de um
futuro livro” E então o homem
revelou ao escritor o seu segredo de vida: “Comprei
um motel para satisfazer meus desejos de voyeur. Construí uma plataforma de
observação no sótão, equipada com aberturas, através das quais posso espiar meus
hóspedes. ”
Diante dessas informações e incrédulo de tamanha ousadia, Talese
viajou até o Colorado e conheceu Gerald Foos, e realmente comprovou o fato, era
verdade, o homem espiava seus hóspedes há mais de vinte anos, se masturbava e mantinha
um diário com anotações detalhadas do que via, e agora queria que o escritor
publicasse seus manuscritos, pois achava que eles contribuiriam para o estudo
das mudanças sexuais ocorridas nos EUA.
Esses manuscritos, juntamente com as experiências e
entrevistas feitas com Foos, geraram o interessantíssimo livro “O Voyeur”, onde Talese além de
publicar, analisa e dá palpites sobre as notas que narram as cenas de sexo e
comportamento de pessoas que agiam com naturalidade já que não sabiam que
estavam sendo observadas. E o livro se torna ainda mais instigante quando Foos
relata que não só presenciou, como teve participação indireta em um homicídio
em um de seus quartos: Um casal que se hospedou vendia drogas, e ao saírem, ele
desceu da plataforma de observação o jogou todo o conteúdo das drogas no vaso
sanitário. Quando o casal regressou e não achou a droga que estava escondida, houve
uma troca de acusações, pois só ambos sabiam do esconderijo, e o homem
estrangulou a mulher. Foos assistiu a tudo da sua plataforma acima do quarto.
E é principalmente seguindo o passo a passo das consequências
desse relato, que tanto o escritor como o próprio proprietário do motel,
concordaram em ser as peças principais do documentário “The Voyeur” produzido e
disponibilizado pela Netflix. O filme, muito fiel ao livro, vai esmiuçar esse
acontecimento a partir de uma investigação feita pelo jornal Washington Post que desconstrói a
narrativa do Foos ao afirmar que nunca houve um homicídio naquele hotel, e que
essa invenção foi talvez para dar uma maior publicidade e atenção para o livro.
São todas essas informações, embates e relatos que tornam
tanto o livro quanto o filme espetaculares. A forma narrativa usada por Gay
Talese é deliciosa, dessas de não se querer largar o livro, - além da nossa curiosidade
natural em querer saber um pouquinho do que se passa entre as quatro paredes de
um quarto de motel. E a frase que me chamou a atenção, que faz pensar e que
profetiza Gerald Foos: “No futuro haverá
muito casal de mulheres, elas são infinitamente mais carinhosas umas com as
outras. O homem, com raríssimas exceções, dispensa esse carinho na cama às
mulheres”. Fica a dica!😉
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