Perda, envelhecimento, pouca funcionalidade social.

 O filme A Bruxa de Blair de 1999 foi um divisor de águas nas produções independentes do cinema
estadunidense, pois reativava com muito sucesso o chamado gênero found footage – filmes baseados em imagens amadoras e supostamente reais encontradas ao acaso – sendo um estrondoso sucesso de bilheteria, que reinauguraria o gênero, e que passaríamos a ver diversos falsos documentários como se fossem reais tais histórias, com atores se passando por pessoas em seu dia a dia, que filmavam experiências cômicas, fantasmagóricas ou dramáticas de suas vidas pessoais.

Em “Nomadland” a cineasta chinesa Chloé Zhao, parte de uma premissa contrária: Se baseia em um livro autobiográfico, pega uma atriz de verdade e realiza com extrema competência um filme real, beirando o gênero documentário, mas com formato de drama ficcional. Aplaudido de pé nos festivais de Veneza, Toronto e Telluride, o filme recebeu o Leão de Ouro, prêmio máximo do festival Italiano.

Logo em sua abertura a seguinte legenda nos informa do "encerramento das atividades da empresa US Gypsun, após 88 anos de atividade na cidade de Empire, no estado de Nevada". O filme se passa em 2008, quando a crise instalada nos EUA quebra diversas fábricas que praticamente eram a fonte de sustento de todos os moradores de pequenos povoados e cidades. Fern, interpretada pela fantástica Frances McDormand, é uma viúva de 61 anos, que em um pequeno lapso temporal, perdeu o marido, o emprego e a casa própria, restando somente uma velha minivan, transformada em um trailer onde ela passou a residir.  Fora de seu tempo, sem ter qualquer porto para se atracar ou qualquer motivação para continuar a viver, ela viaja pelas estradas do país buscando pequenas fontes de renda em empregos temporários, na sua grande maioria precários, em que o empregador busca exatamente perfis como o dela: nômade, sem perspectivas de crescimento e que necessita daquilo para continuar seu caminho sem direção.  Em suas andanças ela encontra um grupo de pessoas com certa similaridade de vida, que não tem casa e moram em trailers, e se auto ajudam nos seus problemas diários, liderados pelo profeta Bob Wells. Aliás não é somente Bob Wells um personagem real que participa do longa, com exceção do ator David Strathairn, todas as pessoas que se cruzam e se encontram na jornada de Fern, são reais, e não atores, e nisso está o grande mérito do filme.

A interpretação de McDormand também é impressionante. Eu perdi meu pai há pouco tempo e tenho convivido muito com minha mãe, que teve uma vida de muita cumplicidade e união com ele, e essa perda repentina fez com que minha mãe ficasse sem Norte. Soltou-se o fio condutor de um extremo companheirismo que há quase 50 anos a segurava pelas mãos. E mesmo eu fazendo todo o papel que cabe ao filho em um momento tão difícil na nossa vida, percebo que sua felicidade jamais será restaurada como era na presença dele. E Frances MCDormand capta esse constante desassossego de Fern, e transmite perfeitamente o sentimento. E a mensagem do filme, apesar da denúncia a exploração do empregado assalariado, sem direito a aposentaria e a qualquer outro benefício básico para sua sustentação a longo prazo, é uma mensagem espiritual sobre perdas e possíveis encontros. Preciso ler o livro agora. 

Nota 8,5


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