Para desvendar os significados e os simbolismos velados, para se adentrar na intimidade de duas irmãs sufocadas pelo patriarcalismo e o Racismo: TORTO ARADO

 


Não foi porque o Presidente Lula indicou “Torto Arado” e em seus comentários disse ter “rememorado sua infância no sertão” que comecei a ler o novo Livro de Itamar Viera Junior – na verdade seu primeiro romance – eu já o tinha adquirido desde o ano passado, quando a crítica literária nacional fez um barulho danado com seu lançamento. Depois vieram comentários entusiásticos de amigos e por fim Lula divulgando-o na foto. O que fiz foi somente colocar Torto Arado mais para frente na enorme fila de livros que listei para ler esse ano. E de fato, sua leitura caiu tão bem que pareceu que deu continuidade a um tema que venho dando preferência desde 2020: a escravidão e suas consequências sociais aqui no país.

"Torto Arado" se passa na região da Chapada Diamantina e acompanha descendentes de escravizados que continuam com a vida semelhante aos seus antepassados. Trabalham sem receber salário na fazenda de um senhor branco para ter moradia, e mesmo assim são proibidos de construir casas de alvenaria, somente de barro, para ficar bem claro de quem é a terra e ser mais fácil derrubar a construção e expulsar as famílias caso o dono da fazenda julgue que o trabalho não está satisfatório.

A narrativa da obra é feita pelas irmãs Bibiana e Belonísia a partir de um acidente na infância em que uma delas tem a língua decepada, e sua comunicação com o mundo começa a ser feita pela irmã sadia. A genialidade da obra está em não deixar claro de início qual delas perdeu a língua, além de contar também com a narrativa de uma entidade do Jarê, religião afro-brasileira praticada pelas famílias da região, em que o pai delas, Zeca Chapéu Grande, goza de uma liderança local em ser uma espécie de conselheiro espiritual e principal articulador das festas religiosas com a presença de entes antepassados.

Doutor em estudos étnicos e africanos, Itamar Vieira Junior conduz de forma brilhante um universo de personagens vivos e mortos que se entrelaçam e se recompõem em suas perdas, pesares e lembranças, unindo força e esperança para superar a dramática realidade de suas existências.

Torto Arado é que aquela ficção tão próxima da realidade que não duvidamos que casos bem semelhantes possam ter ocorrido naquelas regiões onde um dia foi disputada pela busca de pedras preciosas e que se tornou o habitat de sofrimento e resistência, da busca pelos direitos mais básicos dos descendentes dos escravizados. Leitura obrigatória para entender a luta e a história dos quilombolas.


Nota 9,5

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