Notturno não é um filme de guerra; é sobre a vida de vários indivíduos por ela devastados e que não sabem se amanhã estarão vivos.

Se Eric Hobsbawm estivesse entre nós provavelmente usaria o Brasil atual como tema de seu livro, cujo
título poderia ser “Brasil – A Era do Genocídio”. Jamais poderíamos imaginar o que estamos vivenciando. Somos vistos no exterior como um povo digno de pena liderado por um psicopata genocida. A visão que o mundo lá fora tem de nós em termos de compaixão, é a mesma que tínhamos ao ligar o noticiário daqui e nos depararmos com as vítimas do terremoto no Haiti, onde 300 mil pessoas foram enterradas sem nenhuma condição cerimonial em 2010. Ou mesmo o tsunami da indonésia, em que víamos filas quilométricas de gente passando fome, e mais de 220 mil vítimas fatais. Mas essas em razão da força da natureza. Aqui, pelos números proporcionais a outras nações, em razão de um genocídio sem precedentes articulado pelo governo, que na figura do nosso repulsivo presidente da república, já havia dado entrevista anos antes dizendo que “somente um número muito elevado de mortes, daria jeito na nação”. Hoje pagamos por isso.

O cinema é necessário na publicitação desses tipos de tragédias, naturais ou não. E um dia livros serão escritos, e documentários sobre esse Brasil serão filmados (aos poucos já estão sendo feitos, principalmente no tocante ao negativismo da doença e da vacina), e no final das contas a história cobrará daqueles que estiveram do lado ou apoiaram de alguma forma a permanência dos culpados no poder, seja por ignorância ou mal caráter, não haverá divisórias.

 Quando o diretor italiano Gianfranco Rosi exibiu no Festival de Berlin de 2016 seu documentário “Fogo no Mar” sobre tragédias humanas que causam milhares de mortes na Costa do Meridiano e nos barcos clandestinos que transportam refugiados, a atriz Meryl Streep, que presidia a época o júri, comentou que “filmes desse tipo são poesias urgentes e necessárias”, exatamente por focar nas vítimas do acontecimento, e mostrar a tragédia de dentro para fora.

Gianfranco Rosi volta ao mesmo festival que venceu para exibir seu novo trabalho “Notturno”, em que segue quase a mesma linha de seu filme anterior, e vai até a zona do conflito ao encontro daqueles que vivenciaram o terror da invasão do Estado Islâmico nas suas comunidades. Porém, ao contrário do filme anterior, Rosi vai dissecar o horror do massacre através da arte, seja ela teatral, desenhada por crianças órfãs em uma creche, ou mesmo em cima das lamentações musicais em forma de oração das mães que vão até o local onde possivelmente seus filhos foram executados.

Filmado ao longo de três anos nas áreas de fronteira da Libano, Iraque Síria e Curdistão, o diretor vai de encontro ao sofrimento em situações que não são de entrevistas diretas, o que faz com que o documentário não tenha essa aparência de gênero.  Podemos dizer que é uma comunicação com a alma, com a representatividade daquele imediatismo que não precisa de muitas palavras para sua retratação: as imagens e as cenas falam por si, amplificadas pelo silêncio, a simplicidade e a nudez dos elementos que a compõe.

Notturno” nos faz sentir tristes e impotentes, mas ao mesmo tempo emocionados pela forma da mensagem e pela força visual de suas tomadas. Sim, gera desconforto, estamos diante de massacres humanitários, e estamos nesse momento vivenciando um. Eu e você podemos estar mortos na semana que vem. O cinema de Gianfranco Rosi é uma arte não ficcional que só teríamos total prazer na sua contemplação se fosse um ficcional. Mas a verdade deve ser mostrada nas suas mais variadas formas.

 

Nota 8.0   

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