Forever Young



Eu só percebo que estou envelhecendo quando vou pegar algo pesado e sinto aquela fisgada em uma região do braço que até então eu nem sabia que existia, que dirá que poderia passar algum nervo cujo esforço o fizesse doer. Sempre achei que minhas preferências e escolhas, meus gostos e minha cultura, permaneceram em mim um tanto fieis desde que eu soube filtrar pela primeira vez lá na adolescência o bom do ruim, a arte do borrão, o céu do inferno. Algumas mudanças normais da idade nosso corpo se limita a aceitar, e não paramos para pensar muito nelas, como por exemplo deixar de ver desenho animado, não comer três pacotes jujuba em dois minutos, ir diminuindo o ritmo no videogame e no álcool, começar e ver TV Senado, etc. De resto vamos envelhecendo sem nos dar muita conta disso, os anos passam e acabamos achando graça da molecada que comete as mesmos erros que cometíamos, que faz as mesmas merdas que fazíamos. Mas de vez em quando vem a saborosa recordação daquela nossa juventude sem muita responsabilidade, dos amigos inconsequentes, dos parentes que se foram e de toda uma geração anos 80 que não era nem fiscalizada por redes sociais, nem rastreada por aparelhos celulares, e que perder uma hora dentro de uma locadora de VHS era considerado um passatempo cultural aceito por nossos pais. Conquanto, ao me reportar ao passado dessa maneira, acabo me estatelando naquela armadilha que o mestre Woody allen nos mostrou o quanto é fácil de cair: no seu magnífico filme Meia-noite em Paris, o roteiro mostra que o personagem vivido por Owen Wilson consegue voltar no tempo quando o relógio bate meia-noite, e descobre que todas as gerações - sem exceção - consideram melhor a geração que antecedeu a sua, e ninguém constata que o momento vivido, ou seja, “o agora”, seja melhor que um passado bastante recente.
 Ainda que não bata nessa mesma tecla, EnquantoSomos Jovens (while we were Young), o novo filme do diretor estadunidense Noah Baumbach, fala um pouco desse saudosismo, dessa vontade de permanecer eternamente jovem; de que nossas idéias e ideais não envelheçam, de que não percamos a capacidade de nos divertir sem nos preocupar com olhares de terceiros e de que não deixemos que a tecnologia nos absorva de tal forma que nossa vida dependa exclusivamente dela.
O roteiro trás um casal na casa dos 40 anos que vivem da arte, da criatividade, pois são documentaristas, tendo ele inclusive um trabalho reconhecido por parte do público. São felizes juntos, tem suas manias, seus amigos da mesma faixa etária e se vestem como a sociedade estabelece. Acontece que eles fazem amizade com um casal de vinte e poucos anos: ele um iniciante no estudo de cinema (também querendo fazer documentários), e ela dona de uma pequena marca de sorvete caseiro. Com pouco tempo de conversa o casal quarentão fica encantado com os jovens, aceita o convite de passar a tarde na casa deles e começa a achar que aquela nova amizade pode modificar a monotonia atual e tornar mais feliz seu modo de viver.


Apesar da primeira hora ser muito boa, da trilha sonora ser um arraso e de não termos o que reclamar das atuações, o filme não consegue se manter tão legal até o fim. A partir das desconfianças de que o casal jovem possa ser uma fraude, à parte legal de toda a nostalgia dos vinis, do VHS e das farras loucas, começa a dar espaço para piadas com menos graças e situações clichês que já estamos acostumados. Contudo, estamos diante de uma boa comédia que faz uma bela crítica daquilo que antes era legal e hoje não é mais (ou do que hoje é legal e ontem era proibido), e de uma sociedade que parece dar mais importância a moldes repetitivos e esperados, à aqueles criativos e surpreendestes.
Nota. 7,0

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