Com introdução de sexo explícito e conteúdo ainda mais polêmico, o filme vencedor do Urso de Ouro em Berlim analisa a relação entre indivíduo e sociedade

Era bastante comum na década dos anos de 1980 (e para alguns até os dias de hoje) ouvir o comentário
de que o cinema nacional era só mulher pelada e sacanagem. Nossa, quantas vezes eu, ao indicar um filme nosso, ouvia esse tipo de coisa, de que cinema brasileiro só tinha putaria. Esse estigma, em parte verdadeiro, está relacionado a nossa era da pornochanchada, que mais ou menos na virada da década de 1970 produziu muita obra explorando o erotismo, em especial a beleza do corpo feminino da mulher brasileira. Isso se deu por dois fatores: a ditadura militar, que começou a censurar qualquer tipo de obra com algum conteúdo mais sério, seja ele político, social ou econômico; e também com a nova onda da liberação dos costumes, muito publicitada pelo festival de música de Woodstock e por movimentos políticos nos EUA e Europa. Com produções de baixo custo e roteiros na sua grande maioria simples, o cinema nacional sobreviveu dessa forma, e assim mesmo temos excelentes filmes que hoje são obras primas – um dia falo sobre eles.

Mas por que estou falando disso? Pelo fato de que o grande vencedor do último Festival Internacional de Cinema de Berlim, o romeno “Babardeală cu bucluc ou porno balamuc” -  ainda sem tradução oficial por aqui, mas já anunciado em algumas mostras como “Má Sorte Fodendo ou Pornografia Louca”- faz uma espécie de caminho contrário, ou seja, ele tem como foco a Romênia de hoje, um país democrático, com amplo acesso a todas as redes sociais e toda a “liberdade” de uma sociedade aberta ao consumo. Contudo, e assim como nós, com uma imensa parte da população ignorante, atrasada em seus conceitos de liberdade individual, preconceituosas, fascistas e com um chauvinismo exacerbado.

O filme começa com dez minutos de sexo explícito, e esse começo não é em vão, ou sem sentido, como se referiam ao nosso cinema de antigamente. Essa parte será essencial para a condução do roteiro. O filme é divido em três partes. Nessa primeira, um casal fazendo sexo e filmando todos os atos. Com o decorrer do filme, ficamos sabendo que a mulher do vídeo é uma professora de um colégio particular de Bucareste. O vídeo é vazado na internet e se espalha em sites de conteúdo pornográfico. A terceira parte do filme é um conselho de classe exigido pelos pais, que na verdade será um julgamento bizarro sobre se a professora deve ou não continuar a lecionar na escola. É nessa terceira parte que conseguiremos identificar nosso atual momento com os acontecimentos dessa reunião.

Não vou dar detalhes das acusações, preconceitos, machismos e exposições a que a professora é submetida. Mas estaremos diante de uma professora de história que cita Hannah Arendt e sabe de cor tanto os textos do poeta mais famoso do seu país como cada detalhe obscuro dos acontecimentos políticos Romeno. Ela está diante de um pai fardado da alta patente do exército, de uma mãe jurista, e de pais e avós da classe média que reproduzem seus preconceitos como se estivesses em casa, já que nesse momento estão se sentindo superiores diante de uma professora que foi exposta na Internet fazendo sexo com seu marido.

Sim, são pessoas que não trepam, e por isso tem raiva dos que trepam, e se roem de dor por saberem que casais transam em outras posições, fazem boquete e usam chicotes nas suas relações privadas. São como os homofóbicos, que odeiam os homossexuais por não terem tido a mesma coragem deles de se assumirem e serem felizes diante de uma sociedade hipócrita que começa pelos seus próprios ascendentes.

O novo filme do diretor Romeno Radu Jude levou merecidamente o Urso de Ouro em Berlim exatamente por mostrar que obsceno não é um vídeo caseiro mostrando um casal na sua intimidade trepando. Obscena é a hipocrisia da nossa sociedade.

E sinceramente, o filme é uma porrada. Pode até não ser o melhor filme desse ano, mas certamente tem o melhor final dos últimos tempos

Nota 9,5


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