Uma atriz com queimaduras reais interpreta uma jovem vítima da fúria do ex-namorado, em Deus Sujo.

 A história de vida de Vicky Knight, atriz de Deus Sujo, é ainda mais triste do que a da sua personagem
no filme. Quando tinha apenas oito anos de idade, Vick morava debaixo do PUB de seu avô, e de madrugada, alguém colocou fogo no local. Ao ser acordada por uma prima que gritava por socorro, ela tentou escapar pela janela, que estava trancada por fora. Além de perder dois primos nesse incêndio, a pequena Vick Knight sofreu graves queimaduras em 33% do corpo, e até hoje guarda as cicatrizes.

Aos 18 anos a atriz divulgou um vídeo de 5 minutos em que suas cicatrizes eram mostradas bem de perto, e viralizou mundialmente. Com esse pequeno "sucesso" Vick obteve contatos de alguns diretores de filmes e programas, mas já na primeira aparição televisiva se sentiu humilhada em um programa do tipo “namoro na TV”, e novamente ficou reclusa. Foi somente 4 anos após postar o vídeo que ela recebeu o roteiro para fazer um filme em que protagonizaria uma mulher deformada em consequência dos ciúmes do ex-namorado, e assim ela embarcou na sétima arte.

Deus Sujo (Dirty God), que venceu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cinema de Sundance em 2019, é um relato cru, forte e contemporâneo de uma mulher que tenta desesperadamente reconstruir sua vida e identidade após ter o rosto e grande parte do corpo deformados por um ex-namorado com ódio e ciúme. A diretora holandesa Sacha Polack é perfeita na captação de equilíbrios entre claustrofobia, preconceito, dor e esperança no dia a dia de uma mulher que antes do ataque era vista como uma musa nas boates da região de Hackney, e que meses depois de sair do hospital não seria reconhecida nem pela própria filhinha de três anos: “Um monstro, um mostro”, gritou a criança ao fugir chorando do primeiro abraço da mãe em seu reencontro.

A direção é tão competente que conseguiu demonstrar de forma muito fidedigna os processos internos da personagem Jade. Por meio de tomadas cuidadosas e música em movimento, Sacha Polack permite que o filme envolva o espectador nos sentimentos ás vezes até contraditórios da jovem, o que dá uma verossimilidade impressionante. Enquanto Jade dança com uma burca, ou flerta com o namorado da sua única amiga, sentimos o fardo devastador que sua aparência a faz carregar.

Resultado de extensas entrevistas com sobreviventes de queimaduras, o filme oferece uma visão rara da vida de pessoas que se encontram no ostracismo por causa da aparência, e também é um relato cruel da violência contra as mulheres.

 

Nota 9,0

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