A Dupla Vinterberg e Mikkelsen se reúne depois de 8 anos em DRUK, filme aplaudido no ultimo Festival de Toronto

 

Para começar a falar de cinema em 2021 tem que ser enfiando o pé na cachaça e abrindo o ano com chave do ouro.



Nos anos de 1990 do século passado (olha como estou velho?!) quando eu cursava Direito, havia um saudoso professor de Processo Civil que aconselhava aos mais tímidos que fizessem uma visita ao barzinho da esquina antes de apresentarem oralmente suas defesas de tese: “Nada como uma ou duas cervejinhas, ou mesmo uma dose de vodca para aliviar o estresse e ajudar a mente a organizar o que foi estudado ao longo do tempo”. No primeiro ano de Faculdade, o carrasco da turma era o Saudoso e já falecido Mestre Walter Viera do Nascimento, que lecionava História do Direito, e era especialista na questão da problemática do álcool como agravante penal, sempre que abordava o tema abria um parêntese: “ Porém, uma cervejinha ou um copo de vinho durante o dia é necessário, nesses meus quase 80 anos, sempre bebo uma garrafa de cerveja todos os dias. ”  Chico Science já dizia que “uma cerveja antes do almoço é muito bom pra ficar pensando melhor”.

É seguindo mais ou menos esse pitaco que o diretor dinamarquês Thomas Vinterberg nos presenteia com “Druk” (sem o N de DRUNK) seu mais recente trabalho, premiado nas principais categorias pela Academia Europeia de Cinema (EFA). O filme é uma tragicomédia levemente irreverente, que se baseia na bebida alcoólica e nos desafios e pressões da meia idade, como desgaste de relacionamento, filhos, comportamento social e desenvoltura laboral. Mads Mikkelsen em uma atuação primorosa, interpreta um professor de história de uma escola de classe média da Dinamarca, cuja rotina de trabalho ministrando as mesmas matérias parece ter tirado seu tesão de estar em sala de aula, agravado pelo distanciamento cada vez mais flagrante de sua companheira e mãe de seus filhos. O único prazer que ainda tem é sair com três amigos de trabalho para jantares em restaurantes refinados. Em uma dessas saídas, um dos professores lança um papo sobre uma teoria do psiquiatra norueguês Finn Skarderud, em que nosso corpo não produz quase nenhum álcool, e que para aumentar o quociente de teor alcóolico na corrente sanguínea o ser humano precisa ingerir certa quantidade de bebida durante o dia, e que isso seria uma forma inteiramente aceitável para o tratamento de depressão, tristeza e estresse. O tema é discutido e aceito com unanimidade, e resolvem fazer o experimento: beber a quantidade sugerida pelo psiquiatra, relatar por escrito sentimentos e consequências, e aumentar gradualmente o teor alcóolico para uma análise mais elaborada da tese. Diga-se de passagem, é um roteiro um pouco inverossímil, me lembrando o filme “ A Comilança” lá dos anos 1970 de Marco Ferreri, em que quatro pessoas decidem comer até a morte. Mas Vinterberg se sai bem, usando apenas atores consagrados que literalmente tinham que atuar bêbados nas cenas de embriagues. Pode ser um filme perigoso para os mais jovens, já que mesmo sendo mostrado as péssimas consequências trazidas pelo excesso do álcool - relacionamento destruídos, vexamos em público, lesões, saúde abalada – o diretor parece se apoiar um pouquinho na tese de que beber um pouco mais que o normal pode ser benéfico para alguns, citando Hemingway e Churchill como beberrões que deram certo, e Hitler, que não bebia e fez o que fez. 

Druk pode ser degustado degustando uma cervejinha ou um Martine, é o filme mais leve do diretor, que já socou nosso estômago em diversas obras ao longo de sua grandiosa carreira. Não é um filme com pretensões sobre intoxicações, alcoolismo e vício, mas é sim um tributo à amizade, à família, ao arrependimento, e ao hedonismo bacanal, com moderação!

Nota 09 

Citações:




Comentários

  1. Filmaço. A cena final é primorosa. De uma delicadeza ímpar. Como disse Kleber Mendonça: é bonito esse filme. Grato🍷!

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  2. Excelente análise. Elucidadora, bem escrita e primorosamente exposta. Gostei demais. Nota 10.

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  3. O tema não me atrai. Mas a critica está primorosa.

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