Isolamento pela busca da redenção

 Meu primeiro contato com Abel Ferrara foi em fita de VHS, na locadora do Renato Careca, no Centro
de Nova Friburgo, em meados de 1987. Eu, adolescente espinhento de 12 para 13 anos, era talvez o maior rato de videolocadora da cidade. Nessa época, o usual era optar por um dos planos de 10, 20 ou 30 filmes por mês, e assim se tornava “Sócio” da locadora. Minha mãe, por muita insistência minha, comprava a cartela máxima, de 30 filmes, e se fosse mês de férias, ainda tinha que comprar outra cartelinha menor para preencher os dias. Resumindo, minha mesada era toda para isso, e um disco de vinil quando eu me comportava. Então eu assistia de tudo, de Orson Wells à George Lucas, de Buñuel à Renato Aragão. E em uma dessas batidas de feriadão em que eu retirava seis filmes da loja, me esbarrei com “Sedução e Vingança” do Ferrara. A mulher violentada que se vestia de freira para matar estupradores com seu revolver 45 me conquistou, era melhor que Bronson em Desejo de Matar e mais underground que o Cobra de Stallone com palitinho de playboy nos lábios, fora a trilha sonora, que parecia um Jazz debochado na hora das execuções. O nome do diretor então ficou gravado na minha cabeça, e tudo que aparecia dele eu alugava, e até hoje é assim, assisto tudo que sai. Eu já falei sobre o Ferrara aqui nesse blog, há uns três anos, na crítica de Go Go Tales, leiam lá.

Sibéria, seu novo filme, participou da Mostra Competição nesse último Festival de Berlin, e causou polêmicas, como críticos saindo no meio da sessão, vaias e aplausos ao seu término. Acho compreensível, o cinema de Ferrara nunca foi muito simplista, mesmo em roteiros menos elaborados sempre foi meio perverso e insólito. E Sibéria é o que definimos como o filme do autor, ou seja, está na tela aquilo que quer sair de dentro do peito do diretor, sem muita lógica ou maiores explicações. É a exposição de sentimentos, angustias e momentos passados. E apesar de Ferrara há uns anos ter dito em uma entrevista que faria um filme inspirado no Livro Vermelho de Carl Gustav Jung, percebe-se um resultado mais pessoal.

Willen Dafoe, maravilhoso, é Clint, que se isola em uma cabana/bar no meio do gelo para uma espécie de retiro espiritual, de contemplação e de entendimento de um mundo que o maltratou muito. Nessa jornada interna ele se reencontra com todos os fantasmas de seu passado: dos coleguinhas do Bullying na infância, passando por fragmentos de amores e loucuras, e a relação negativa com o pai, pelo qual busca conciliação mesmo após sua morte.

Por não ser linear, pesadelos, realidades, pessoas e lapsos temporais se misturam de forma aleatória, como em um sonho difícil de digerir e entender. Mas mesmo com a narrativa confusa, o filme te instiga a fazer sua própria viagem interna e a se perguntar: a vida me deve mais desculpas, ou devo mais desculpas a vida?

 Nota 7,0

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