E foi assim, há 46 anos, e mais alguns outros...

 

Às dez horas da manhã, do dia 07 de janeiro de 1975, em um hospital já demolido da Cidade de Nova Friburgo, eu nascia. Era uma terça-feira ensolarada, e meus pais moravam relativamente perto do hospital: da nossa residência na badalada Rua Portugal até o Paissandu não dava nem dez minutos de carro. Nessa época, com poucos carros, não tinha quase semáforos na cidade serrana. O fusquinha do papai seguiu tranquilamente para o hospital no meu último passeio dentro da barriga.  A família já se concentrava no pequeno saguão da ala da maternidade da Casa de Saúde São Lucas quando mamãe entrou para fazer a Cesariana, alguns minutos depois surgia chorando um pequeno serzinho igual a um morango de quarenta e oito centímetros, só que cabeludo e pesando pouquinho mais de três quilos. Só que essa história não começa aqui, começa dez anos antes, em 1965, no Bairro Ponte de Saudade, também em Nova Friburgo.

O Sábado amanheceu com cara de chuva, fazia muito frio, mas era o dia da festa do seu aniversário. Na verdade, a data do nascimento foi no dia anterior, dia 30 de julho, mas o papai da aniversariante queria fazer uma festinha especial e achou melhor comemorar no sábado, já que muita gente trabalhava nas fábricas até o anoitecer nos dias de semana. O clima não desanimou a aniversariante, que cedo já reforçava os convites nas vizinhanças, ajudava sua mamãe na preparação dos quitutes, e separava com esmero as pecinhas de roupas que usaria naquela noite.  O papai chegou com os refrigerantes e o bolo, não encontrou as velas de número 1 e 4, então comprou 14 velinhas rosas que já foram espalhadas de forma ordenada, contornando e desenho da flor que enfeitava o grande bolo feito sob encomenda.

E São Pedro foi legal, não fez chover, o frio não atrapalhou. As crianças brincavam em torno da fogueira, os adultos bebiam quentão, e a aniversariante e as amiguinhas escolhiam músicas para dançar com os meninos vestidos de caubói, aproveitando as vestimentas das comemorações de São João. Todavia, a aniversariante parecia não prestar atenção em nenhum dos meninos selecionados para formar os pares das danças, sua atenção era direcionada para um grupo de rapazes que, de forma despojada, se encostavam no muro bebendo e fumando cigarros.  

Não quis dançar, e sempre que podia lançava olhares para aquele grupo que participava de uma forma muito peculiar da sua festa: não se enturmavam com os outros, não lhe deram presentes, sequer os parabéns, e estavam ali naquele canto como se estivesses fazendo uma festa só deles dentro do seu aniversário. Foi de tanto olhar que uma das suas amigas ficou curiosa e perguntou se a presença daqueles rapazes era incômoda, a aniversariante não se deu por rogada e respondeu: “Não, pelo contrário, podem ficar sim, mas quem é aquele garoto lindo ali de camisa branca com botões?” Foi então que a amiguinha segurou minha mãe pelas mãos, a levou até o grupo e chamou meu pai e os apresentou: “Gerson, essa é a Tania, a aniversariante. ” Minha mãe ficou decepcionadíssima com a fria resposta do meu pai, que deu uns parabéns secos, sem nem olhar diretamente para ela, e já voltando para a conversa interrompida com os amigos.

Meu pai contava com 25 anos nesse dia, minha mãe estava fazendo 14 anos, e meu pai viu uma criança aniversariando em uma festa infantil. não deu bola. Pouco tempo depois, para a tristeza da minha mãe, meu pai se casaria, e a única coisa que tinha dele eram aqueles parabéns frio, naquela noite fria, em que conheceu sua alma gêmea. Mas alma gêmea tem esse nome por ser uma conectividade não apenas física, mas espiritual, sublimar, ou para quem acredita, até reencarnária.  E alma gêmea só existe uma para cada pessoa, é a metamorfose de duas energias incompletas que dão a sorte de se encontrar nesse plano terrestre. Isso significa que meu pai casou com uma alma que não era a sua gêmea, e por isso durou tão pouco esse seu primeiro casamento.

Foi necessária uma espera de cinco anos, e em 1970, minha mãe já com 19 anos, reencontrou meu pai, que nem se lembrava mais dela e do seu aniversário de outrora. Agora a apresentação foi completamente diferente, e do grupo de conhecidos reunidos, um só tinha olhos para o outro, nem davam atenção para a TV, onde a seleção Brasileira de Futebol dava espetáculo no México; eram só os dois e suas devidas almas, que finalmente se reencontravam e ficariam unidas como pregou o Padre em seu discurso quatro anos depois, em 1974, onde pediu uma coisa que eles próprios já tinham certeza que aconteceria, que só a morte os separaria no plano físico.  E as almas?  Ah, essas são gêmeas e andam se encontrando por aí no mundo dos sonhos, não se separaram, e nem vão.


Obrigado papai Gerson e mamãe Tânia por serem o exemplo de tudo para mim, dedico meus 46 anos a vocês.

07 de janeiro de 2021


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