Samal Yeslyamova, reconhecida melhor atriz em Cannes, é Aika. Um retrato desumano de toda vítima da exclusão.

O cinema leste europeu sempre foi muito impactante, e o que me atrai nessa escola cinematográfica é a
proximidade com a realidade, seja no roteiro, na fotografia, nas atuações e principalmente na competência da direção em nos situar lá no núcleo dos acontecimentos da forma mais fria possível.

 Nos dez primeiros minutos de "AIKA" eu já não piscava mais, a cada tomada da câmera, no desespero de uma imigrante em busca de qualquer emprego abusivo no rigoroso inverno russo, em troca da sobrevivência. Mas as porradas não estão focadas somente na via crucis dessa mulher que acaba de parir e abandonar o bebê na maternidade para salvar a própria vida em trabalhos clandestinos e precários, elas surgem no próprio pano de fundo de uma sociedade já costumeira com a miséria daqueles que já nem força possuem para pedir, ou mesmo tentar. Alguns códigos culturais da realidade em que vivemos surgem em flash ao redor das necessidades mais fundamentais do ser humano: como o curso de business coaching, cujo palestrante bem vestido ensina aos russos a não desanimarem diante de dificuldades, já que estão dezenas de degraus acima dos imigrantes presentes naquele país, se matando por um balde, para lavar o chão em que pisam; ou mesmo na mãe pobre que não tem onde deixar o filho mas vê a oportunidade de explorar outra mãe que menos recurso possui.

A falta de humanidade, núcleo do roteiro, também não está somente na relação hierarquicamente econômica da desestruturação do capitalismo, mas mostra suas consequências na crueldade com o abate de animais, onde a busca por lucros imediatos dissipa qualquer preocupação com o sofrimento de quem quer que seja, gente ou bicho, que afinal o diretor cazaque Sergei Dvortsevoy faz questão de equiponderar no tratamento dispensando a cães e empregados que convivem juntos em uma veterinária de classe média.

 Sim meus amigos, Aika é uma porrada no estômago. E de alguma forma, se vocês forem só um pouco sensíveis, conseguirão relembrar de algum caso parecido que tenham presenciado em algum momento de suas vidas, por que o filme não é só aquela câmera que acompanha a correria de uma mulher desesperada, é tudo que está acontecendo ao nosso redor, mas que as vezes fingimos que não estamos vendo. Essa falsa compaixão da classe média e da burguesia com pessoas mais necessitadas vai explodir através da sua tela, e vamos ver se sua natureza ética vai te ensinar um pouquinho sobre a desigualdade que explode através da sua janela.

Nota 8,5

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